Nas últimas semanas a discussão sobre a reforma tributária ganhou força no Congresso e nos noticiários. Com a apresentação da primeira parte da proposta do governo federal, e com a volta dos trabalhos na comissão mista, o assunto, que é de extrema importância, ganhou atenção.
O Brasil emprega, atualmente, ao menos 5 tributos diferentes e a complexidade afeta o crescimento das empresas e do país. Em contrapartida, em cerca de 168 países, bens e serviços são tributados por um imposto único. Nesse sistema simplificado, as empresas podem produzir mais, com menores custos, contribuindo para o desenvolvimento do país.
Sendo assim, o principal objetivo desse texto é apresentar um panorama geral sobre o sistema tributário brasileiro. Ainda, serão apresentadas, brevemente, as propostas que estão em discussão. Por fim explicaremos qual o caminho que ela deve percorrer até a sua aprovação.
O objetivo deste comentário é apresentar o sistema tributário atual, as propostas que estão em discussão e as vantagens de um sistema tributário mais simplificado.
SISTEMA TRIBUTÁRIO ATUAL
Antes de entender quais as reformas e mudanças que estão em discussão, é importante conhecer o atual sistema tributário brasileiro. Conforme mencionado, ele é composto por 5 tributos diferentes, que podem ser sintetizados na figura abaixo.
O primeiro imposto do qual falaremos é o PIS/Cofins. Esse imposto se aplica a todos os produtos e serviços e é cobrado pela União. O seu principal problema é a sua baixa transparência com relação aos seus benefícios fiscais, que gera baixo retorno para a sociedade como um todo. Além disso, ele apresenta dois sistemas diferentes quanto à concessão de crédito pelos tributos já pagos (cumulativos e não cumulativos) gerando grande subjetividade para a sua interpretação.
Além do PIS/Cofins, a União também cobra o IPI – imposto que incide sobre produtos industrializados. Apesar de parte dos recursos arrecadados serem repartidos com estados e municípios, ele é bastante complexo, possuindo uma infinidade de categorias e subcategorias. Sua tabela de classificação e alíquotas, por exemplo, possui 442 páginas e 97 capítulos.
Da parte de impostos cobrados pelos Estados, temos o ICMS. Todos os produtos estão sujeitos a esse tributo, além de alguns serviços como energia elétrica e telecomunicações. O principal problema é que há 27 legislações para esse imposto. Essas legislações possuem especificidades de alíquotas diferentes e mudam constantemente.
Por fim, temos o ISS, que é aplicado sobre serviços. Ele é cobrado pelos municípios, o que faz com existam 5.570 municípios regulando o mesmo tributo. Nesse caso, a complexidade é ainda maior do que a observada no recolhimento do ICMS.
PROPOSTAS EM DISCUSSÃO
Conforme pode-se perceber, o sistema tributário brasileiro é bastante complexo e por isso a necessidade de sua reformulação. É importante a unificação de impostos sobre o consumo, de modo que as empresas possam investir tempo e dinheiro em atividades que gerem valor, e é nesse sentido que as propostas em discussão tentam atuar.
Atualmente, são duas as propostas em discussão no congresso, a PEC 45/2019, originária da Câmara dos Deputados, e a PEC 110/2019 originária do Senado. Mais recentemente há ainda o projeto de lei 3.887/20 – primeira parte da reforma entregue pelo governo federal. A comissão mista da reforma, composta por deputados e senadores, tem o objetivo de unificar todas as propostas, colocando um único texto para votação. A seguir, serão apresentadas as duas PECs em discussão, bem como o projeto de lei apresentado pelo governo.
PEC 45/2019 e PEC 110/2019
Tanto a PEC 45/2019 quanto a PEC 110/2019 têm como principal objetivo a simplificação e a racionalização da tributação sobre a produção de bens e serviços. Nesse sentido, ambas propõem a extinção de uma série de tributos, consolidando-os em dois novos impostos: a) um imposto sobre bens e serviços (IBS) – nos moldes dos impostos sobre valor agregado cobrado na maioria dos países desenvolvidos – b) um imposto específico sobre alguns bens e serviços.
A começar pelo imposto sobre bens e serviços (IBS), a base de incidência do imposto é praticamente a mesma nas duas propostas. As diferenças, entretanto, são significativas ao tratar de outros pontos – sua competência tributária, número de tributos substituídos, determinação da alíquota, concessão de benefícios fiscais, partilha da arrecadação, vinculação da arrecadação do IBS, transição do sistema de cobrança e transição da partilha de recursos. Abaixo seguem os principais pontos.
Já com relação ao imposto seletivo, a PEC 110 define esse imposto como de índole arrecadatória, cobrado sobre operações em petróleo e seus derivados, combustíveis e lubrificantes de qualquer origem, gás natural, cigarros e outros produtos do fumo, energia elétrica, serviços de telecomunicações a que se refere o art. 21, XI, da Constituição Federal, bebidas alcoólicas e não alcoólicas, e veículos automotores novos, terrestres, aquáticos e aéreos. Já a PEC 45 define esse imposto com índole extrafiscal, “cobrados sobre determinados bens, serviços ou direitos com o objetivo de desestimular o consumo” – não foram listados os produtos e serviços que estariam sujeitos à arrecadação.
Por fim, a PEC 110 contempla outras matérias não previstas na PEC 45, sendo as mais destacadas as seguintes:
– Extinção da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), sendo sua base incorporada ao Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ);
– Ampliação da base de incidência do Imposto sobre Propriedade de Veículo Automotor (IPVA), para incluir aeronaves e embarcações, com a arrecadação integralmente destinada aos Municípios;
– Autorização de criação de adicional do IBS para financiar a previdência social;
– Criação de fundos estadual e municipal para reduzir a disparidade da receita per capita entre os Estados e Municípios, com recursos destinados a investimentos em infraestrutura.
Proposta do Governo Federal
Conforme mencionado, além das duas PECs que já estão em discussão no Congresso, o governo federal apresentou a primeira parte da sua reforma tributária. A proposta, apresentada como projeto de lei, cria a contribuição sobre bens e serviços (CBS) – um imposto sobre valor agregado (IVA) em substituição ao PIS/Pasep e Cofins, que deverão ser extintos.
A alíquota do IVA federal seria de 12% para empresas em geral, e de 5,9% para entidades financeiras como bancos, planos de saúde e seguradoras. No que diz respeito às micro e pequenas empresas que fazem parte do Simples, elas continuariam sujeitas às regras atuais. O texto prevê, ainda, a não incidência sobre os produtos da cesta básica. Entidades beneficentes, templos de qualquer culto, cooperativas e condomínios estão entre as organizações que não pagarão o CBS.
De maneira geral, percebe-se que a proposta apresentada é bem mais simples do que as outras que estão em discussão. É importante notar, entretanto, que novas etapas da proposta de reforma devem ser apresentadas pelo governo federal nas próximas semanas. As próximas partes devem tratar de mudanças na tributação de dividendos, no imposto de renda e a criação de um novo imposto sobre transações financeiras, semelhantes à antiga CPMF.
SISTEMA TRIBUTÁRIO: COMO FICA?
Apesar de as discussões ainda não estarem encerradas – e das diferenças entre as propostas – algumas inferências podem ser realizadas no que diz respeito ao sistema tributário brasileiro pós aprovação da reforma. A primeira dela, diz respeito à transparência, que ficaria mais simples e permitiria que empesas e cidadãos saibam mais claramente o tamanho da carga tributária.
Com relação à alíquota, espera-se que aconteça o fim da diferenciação do imposto cobrado ente bens e serviços, com uma alíquota unificada – atualmente estimada em 12% conforme apresentado pelo governo. Outro ponto importante é que o sistema passaria a ser não cumulativo, ou seja, a empresa recupera o imposto pago sobre os seus insumos. Por exemplo, se uma empresa vende R$ 100 mil ao mês com alíquota de 12%, ela deve um imposto de R$ 12 mil. Ainda, se ela comprou R$ 50 mil em insumos, já recolheu R$ 6 mil de IBS. Assim, descontando o que ela deve do que ela já pagou, o valor efetivamente pago será de R$ 6 mil.
Também é importante observar que além desse imposto unificado, também deve ser aprovado um imposto seletivo – presente nas PEC 45 e 110. Esse imposto tem por objetivo tributar produtos com impactos negativos sobre a sociedade, como cigarros e bebidas alcoólicas – que geram custos elevados para o sistema público de saúde, por exemplo.
Por fim, com relação ao período de transição, essa é uma questão que dependerá do texto aprovado. Conforme apresentado, a expectativa é que o tempo de transição dure de 5 a 8 anos. No ano inicial, seria cobrada uma alíquota teste de 1% com a mesma base de incidência do imposto único. É importante notar que novos temas – tributação de dividendos, imposto de renda, criação de um novo imposto sobre transações financeiras – devem ser discutidos de modo que novas mudanças também devem estar presentes no sistema tributário futuro.
O CAMINHO DA PROPOSTA
Conforme mencionado, em 2019 foram apresentadas duas propostas de Reforma tributária: a PEC 45 da Câmara dos Deputados e a PEC 110 do Senado Federal. Para unificar as duas propostas e o projeto de lei que foi apresentado pelo Governo Federal, foi criada a Comissão Mista da Reforma, composta por 25 deputados e 25 senadores.
O texto unificado será incorporado à PEC 45, texto que já foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e com discussões inicializadas na comissão especial. Os próximos passos da tramitação da proposta podem ser observados na figura abaixo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE REFORMA TRIBUTÁRIA
A volta das discussões sobre a reforma tributária são de extrema importância e geram grande otimismo para a economia brasileira. Conforme pode ser observado, atualmente o sistema é bastante complexo, com alíquotas de imposto diferentes entre estado e municípios. Uma reforma, além de permitir que empresários passem mais tempo gerando valor à economia, pode ajudar a reduzir as desigualdades regionais tão expressivas em nossa sociedade. A diferença entre a maior e a menor receita per capita de ICMS e ISS, por exemplo, poderia cair de 270 vezes para até 6 vezes entre estados e municípios, de acordo com o IPEA.
Além disso, hoje o principal mecanismo de redução de desigualdade são as políticas de desoneração, como da cesta básica. O problema é que essas políticas são pouco efetivas nessas reduções. O ministério da Economia estima que de R$ 18,6 bilhões gastos com a desoneração da cesta apenas 0,1% da desigualdade de renda foi reduzida. Impactos positivos poderiam, ainda, ser observados no aumento no poder de compra da população, na criação de novos empregos e, consequentemente, no aumento do PIB.
Entretanto, apesar das amplas vantagens que a reforma tributária poderia proporcionar à economia brasileira, seu processo de aprovação não deve ser fácil. O assunto é bastante polêmico e algumas medidas devem desagradar diversos setores. A proposta apresentada pelo governo federal já causou discussão entre eles, principalmente entre o setor de serviços. Pela proposta, a tributação desse setor sobre dos atuais 3,65% de PIS/Cofins para 12%. Os empresários alegam que não tem como arcar com esse aumento de impostos nesse momento de pandemia, em que as atividades do setor já foram bastante comprometidas.
Para compensar o aumento da tributação sobre o setor de serviços, o ministro Paulo Guedes prometeu enviar ao Parlamento, em breve, uma proposta de desoneração da folha de pagamentos, cujo principal insumo é a mão de obra. A reação dos empresários, entretanto, foi cética e eles alegaram que não podem arcar com esse custo sem nenhuma garantia. É importante notar que discussões futuras englobam temas ainda mais polêmicos, como a criação de um novo imposto semelhante à antiga CPMF.
Nossa expectativa é de que a aprovação da reforma tributária – com maior ou menor profundidade– aconteça. Entretanto, não acreditamos que ela deva acontecer antes das eleições municipais conforme anunciado pelo relator da proposta na comissão mista, Aguinaldo Ribeiro. O processo envolve diversas etapas e a aprovação do texto deve acontecer em 2021, mais tardar em 2022.