Entenda as principais disputas entre EUA e China

Ao longo das últimas semanas, foi possível vislumbrar uma melhora no cenário econômico internacional. Tal melhora se deveu, sobretudo, ao anúncio, pelas autoridades das principais economias avançadas, da retirada das medidas de isolamento social (lockdown) que haviam sido impostas na maior parte desses países para conter o avanço da Covid-19. A retomada da atividade econômica só se tornou viável graças a relativa eficácia das medidas de restrição à movimentação de pessoas, que fez com a pandemia fosse controlada nesses países.

Soma-se a isso, a divulgação de resultados iniciais promissores, embora limitados, no que diz respeito ao desenvolvimento de vacinas para o controle da pandemia. Inúmeros testes estão sendo conduzidos por empresas de biotecnologia, o que possibilita – caso testes mais amplos confirmem a eficácia – que alguma vacina ou tratamento esteja disponível ainda neste ano.

O cenário mais favorável a uma recuperação nos preços de ativos de risco (bolsas globais), assim como nos preços de commodities (em particular energéticas). Favoreceu, ainda, mesmo que em menor escala, a recuperação de moedas emergentes.

Apesar deste contexto mais positivo, é importante observar que alguns riscos permanecem no cenário. Dentre estes, um dos principais são as tensões entre EUA e China, que aumentaram nas últimas semanas e abarcam uma série de fatores: autonomia de Hong Kong, disputas comerciais/tecnológicas, direitos humanos, entre outras.

Neste comentário, abordaremos algumas das principais fontes de tensão entre as duas maiores economias globais, assim como buscaremos avaliar quais seriam seus potenciais impactos sobre o cenário econômico mundial.

O objetivo deste comentário é apresentar as principais fontes de tensão que permanecem entre EUA e China.

Coronavírus

A pandemia do novo coronavírus – descoberto na cidade chinesa de Wuhan – tem sido uma das fontes de tensão entre as duas maiores economias globais. Conforme apresentado na Figura 1, os EUA registraram o maior número de casos da doença, com mais de 1,6 milhão de casos confirmados, além de quase 100 mil mortes. A china, por sua vez, registrou um número significativamente menor, apesar de ter sido o epicentro inicial de propagação da enfermidade.

Evolução da Covid-19 nos países mais afetados

Figura 1: Número de casos confirmados de Covid-19 (escala logarítmica);
Fonte: Bloomberg. Elaboração: SOMMA Investimentos.

Nas últimas semanas, vários oficiais americanos – incluindo o secretário de Estado, Mike Pompeo – afirmaram que a pandemia teve início em um laboratório na cidade chinesa de Wuhan.

Além disso, surgiram acusações de que a China teria atrasado propositalmente o repasse de relatórios e informações sobre a COVID-19 às autoridades de saúde mundial – Organização Mundial da Saúde – como forma de aumentar seus estoques de mantimentos para o combate da doença – medicamentos, luvas e máscaras.  Ambas acusações foram rapidamente negadas por oficiais do país asiático.

O presidente Donald Trump, por sua vez, criticou, em várias oportunidades, a China.  Afirmou que o país cometeu um “erro terrível” para responder ao coronavírus e, logo em seguida, buscou encobrir suas próprias falhas.

Desta forma, as diversas acusações levantam o temor de que os EUA adotem alguma forma de retaliação à China como forma de resposta às acusações mencionadas à China.

Hong Kong

Outra fonte significativa de tensão entre EUA e China, nas últimas semanas, está relacionada à autonomia de Hong Kong. O país é conhecido por ser um dos mais importantes centros financeiros globais, e fora colônia do Reino Unido até 1997.

O território é uma Região Administrativa Especial (RAE) da China e foi estabelecido sob o princípio de “um país, dois sistemas”, uma vez que preserva autonomia legal e funciona sob o sistema capitalista, enquanto a economia chinesa possui interferência direta do Estado nas atividades econômicas.

Nesta semana, o parlamento chinês aprovou um projeto de lei de segurança nacional sobre o território, o que implicaria no aumento do controle do Partido Comunista Chinês sobre a cidade semiautônoma.

O projeto de segurança nacional foi anunciado no Congresso Nacional do Povo – um dos mais importantes eventos da China, onde são estabelecidas uma série de diretrizes econômicas. Tem por objetivo proibir a interferência estrangeira, terrorismo e quaisquer atividades que objetivam a derrubar o governo central e, por conseguinte, ameacem a segurança nacional chinesa.

Uma implicação prática desta lei é que ela contorna a legislação básica de Hong Kong (estabelecida na miniconstituição de 1997) e, como consequência, resulta em uma perda de autonomia por parte de Hong Kong e, por outro lado, a reafirmação do domínio chinês.

Assim, o projeto tem o potencial de desencadear uma nova onda de protestos pró-democracia na cidade semiautônoma. No ano passado, um plano que facilitava a extradição para a China continental gerou uma série de manifestações que culminaram em milhares de prisões e fizeram com que a chefe do executivo local, Carrie Lam, voltasse atrás e cancelasse o projeto.

O episódio, no entanto, chamou a atenção internacional e fez com que legisladores americanos aprovassem o Hong Kong Human Rights and Democracy Act of 2019 (Lei de Direitos Humanos e Democracia de Hong Kong de 2019) – que determina que o Departamento de Estado norte-americano certifique anualmente que o território mantém um alto grau de autonomia. Caso contrário, estabelece que o governo americano deve impor sanções sobre funcionários do governo chinês e/ou de Hong Kong que forem considerados responsáveis pelas violações dos direitos humanos.

Nesta quarta-feira (27), o secretário de Estado, Mike Pompeo, comunicou ao congresso americano que Hong Kong não é mais “autônoma em relação à China”. Ainda não se sabe ao certo qual será a resposta americana, a qual pode ocorrer via sanções sobre oficiais (como impedir a entrada em território americano, ou congelamento de ativos financeiros, por exemplo) ou entidades chinesas.

Desta forma, permanece em aberto a possibilidade de escalada maior nas disputas entre os dois países. Caso a resposta americana fique restrita à aplicação de sanções sobre oficiais chineses, os potenciais impactos econômicos no curto/médio prazo tendem a ser limitados. No entanto, os riscos se agravariam significativamente caso os EUA explorem a esfera comercial – via aplicação de tarifas –, o que levaria à aumento de incerteza sobre a guerra comercial entre os dois países que se estendeu ao longo de 2019.

Direitos Humanos em Xinjiang

Outra fonte de tensão diplomática entre EUA e China diz respeito à acusação, por parte dos EUA, de que a China estaria violando direitos humanos com a população uigur e outras minorias étnicas na região autônoma de Xinjiang.

A principal acusação americana é a de que o governo chinês estaria detendo milhares (ou até mesmo milhões) de uigures muçulmanos por questões religiosas. Segundo o país asiático, ao invés de detenções, os uigures estariam sendo encaminhados para “campos de reeducação”.

Sob a acusação de repressão por motivos religiosos, o departamento de comércio dos EUA anunciou, na última sexta, sanções contra entidades (empresas e indivíduos) chinesas. Em 2019, os EUA também haviam impedido a entrada de autoridades chinesas em seu território.

Avaliando prospectivamente, as disputas relacionadas aos direitos humanos de minorias étnicas na China, a despeito de constituírem uma questão importante, devem ter impactos econômicos diminutos – uma vez que a resposta americana, assim como qualquer réplica do lado asiático, deve permanecer na esfera diplomática.

Outras fontes de tensão

Além dessas três fontes principais de tensão entre os dois países, é possível elencar ainda outras duas com relativa importância.

A primeira diz respeito à uma disputa tecnológica entre os dois países sobre a rede 5G – quinta geração da evolução para a banda larga sem fio, que tem o potencial de aumentar consideravelmente a velocidade de conexão. A disputa está relacionada à empresa chinesa Huawei (gigante tecnológica do país asiático), uma vez que os EUA acusam a empresa de fazer espionagem através de equipamentos para a construção da rede 5G nos países.

A empresa nega as acusações americanas de estar utilizando a rede 5G como ponte para espionagem internacional. Ainda assim, o governo americano impediu a empresa de fazer negócios nos EUA.

Por fim, outra fonte de tensão entre os dois países, também diplomática, diz respeito à Taiwan. O país não tem sua independência reconhecida pela ONU – é considerado uma província rebelde pela China – e permanece sob a ameaça constante de intervenção militar por parte dos chineses caso faça alguma proclamação formal de independência. Ainda assim, os EUA mantêm laços estreitos com a ilha – sobretudo no comércio de armamentos.

 Considerações finais

Como pode-se perceber, existe um amplo conjunto de atritos entre EUA e China. Ainda há muita incerteza sobre os resultados potenciais de uma escalada na disputa, sobretudo no contexto atual de uma economia global que fora duramente atingida pelo coronavírus. Apesar disso, acreditamos que as chances de uma Guerra Comercial em larga escala entre os dois países – tal como observada em 2019, com inúmeras aplicações de tarifas sobre importações de produtos entre os países – sejam atualmente bastante reduzidas. A situação atual da economia americana e a proximidade das eleições presidenciais, que acontecerão em novembro, torna improvável uma escalada de conflitos.

A guerra comercial, ao ser uma fonte de incerteza significativa, poderia afetar negativamente decisões de investimento e, por conseguinte, a recuperação do mercado de trabalho norte-americano – o que pode ser decisivo para manter o presidente Trump com chances de reeleição.

Assim, apesar de as disputas entre EUA e China serem um risco relevante no cenário, acreditamos que seja mais provável que as disputas tenham, no curto prazo, um impacto econômico bastante reduzido.

 

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